1 A fonte
Quando fecho os olhos Em minha lembrança
Surgem milhares de imagens
Como uma fonte que logo se transformam em um poço
Um lago
Brotam como um olho d'Água brota entre as pedras e areia
Imagens de corpos
De corpos sobrepostos
De partes de pessoas e seres
Que desaparecem
Que apontam
Que olham para lugar algum
Para Lugar nenhum
Olham para (um) infinito
Olham para dentro de si mesmos
Seres que andam
Que se vão
Sem olhar para trás
Sem querer voltar
Vão para o esquecimento
Sem destinos
Sem passados ou futuros
Apenas um breve momento de existência
Seres parados figuras estáticas que querem movimento, mover-se, sair de onde estão
Sair de onde são.
Imagens de xícaras de cafés sobre as mesas aconchegantes de um bar
Drapeados que parcialmente cobrem uma figura e desaparecem entre uma colunata banhada por uma luz pálida e lânguida de um amanhecer de um céu de outono.
Mãos que buscam, partes íntimas
Calor latente pulsações sistólicas
Olhos que miram longe sem nada apreender
Janelas abertas para o céu sem estrelas, sem luz. Sem nem sequer saber o que foi, é ou será um instante de amor.
Desaparecem sobrem camadas de rochas e fósseis duros que um dia também desaparecerão sem vestígios.
Camas vazias esperançosas um coração que em um flash revela atrás de si um bosque de árvores sem folhas envolto em neblina
Uma folha cordiforme amarelada que caiu
Um pixel um reticulado que se esvai rumo a abstração deixando em suspense um sentido
Um significado perdido
Não consigo fechar os olhos sem ver
Imagens de olhos que me olham
Sou eu mesmo que me vejo nelas
Dentes e arcadas dentárias que parecem falar
Epiderme e ossos, órbitas-janelas-Almas
Rostos desconhecidos
Lábios e pernas
Mamilos
Umbigo
Pelos...
Como um círio pascal que queima incessantemente derretendo-se em formas que se acumulam e se agigantam
Mudam, se misturam, se acumulam
Camadas sobre camadas...
Segredos
Imagens de microscópios eletrônicos que magnificam o ínfimo o invisível o não-dito que existe para logo em seguida deixar de ser... Sem ser nomeado
Sou eu que presentifica o mundo em imagens sou eu que que as cantam
Que as realizam, musa sem vóz que tange instrumentos surdos, musa sem habilidades, sem nome.
Dores que vem como espinhos enormes, uma floresta deles
onde não há lugar nem para o olhar descansar. Tudo doi. Tudo foi. Tudo se afasta
Uma dor que aumenta
E que não tem fim.
Substâncias químicas que parecem centopéias, fosfolipidios cnidarios ácidos fosfóricos escadas caracóis espirais sem fim, tentáculos... Todos desaparecem uns sobre os outros como em um buraco negro obscuro em um céu de estrelas feitas de escuridão. Matéria escura ignota e oculta
Teias de aranhas que vibram dentro dos núcleos dos átomos
Lembranças de sons de folhas secas
E do perfume dos brotos das folhas dos plátanos molhados pela chuva
E o vento que sopra e se acalma
E aquela luz indireta da lua como o olhar de corujas que enxergam distante tão longe que desaparecem de tão sábias. Viram tudo pois viram o Nada. Seus corpos foram tocados pelo nada inaugural de onde tudo se fez.
2 De lágrimas
Dizem que Deus está na chuva, minha vó dizia, e que seu estivesse triste era para eu chorar na chuva pois ninguém veria minhas lágrimas... E minhas lágrimas comoveriam a Deus pois elas gostaria pois elas se misturariam a Ele e tudo ficaria bem.
Hoje fecho os olhos e vejo que nunca os abri realmente... Não para ver o mundo, o amor, a amizade...
O mundo me manteve encarcerado neste calabouço.
Neguei toda forma de humanidade que existia em mim.
Esqueci de como eu via as imagens se formando
E como eram fortes e desejadas.
A fonte está lá
De tristeza e dor
Mas são águas salgadas ...
(4/III/2015)